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‘Energia renovável fica mais atrativa no atual cenário’

15.03.2022


O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e atual presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, enxerga oportunidades, principalmente no Brasil, para as energias renováveis com a alta dos preços de petróleo e gás causada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Na semana passada, depois da deflagração do conflito, as cotações internacionais do barril de petróleo superaram a barreira dos US$ 100 e registraram os preços mais altos dos últimos oito anos.

Para Barroso, a geopolítica global já está alinhada em direção à substituição de fontes fósseis, com maior emissão de carbono, pelas renováveis. Com o cenário de aumento de preços dos combustíveis fósseis, a busca por energia limpa e por maior eficiência no consumo deve se acelerar, assim como o desenvolvimento de novas tecnologias, acredita. “O acesso a tecnologias da transição energética é uma ferramenta geopolítica”, ressalta.

Nesse contexto, o especialista afirma que o Brasil poderá passar a dar maior atenção aos biocombustíveis, além do gás do pré-sal, como forma de ficar menos dependente do gás natural liquefeito (GNL), que é importado.

Do lado do planejamento energético, ele também acredita que a crise levará a um questionamento sobre a integração energética na Europa e, consequentemente, à busca por redução da dependência europeia do gás russo, o que pode ampliar exportações de regiões como o norte da África e os Estados Unidos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Quais são os impactos da crise entre a Rússia e a Ucrânia para a transição energética no Brasil?

Luiz Barroso: O Brasil alinha automaticamente os objetivos principais da transição energética: a energia mais limpa, as renováveis, são as mais competitivas. Este fundamento permanece e já nos coloca entre os líderes globais em termos de baixa intensidade de carbono no setor energético. Com a crise, o GNL [gás natural liquefeito] fica mais caro, o que aumenta a atratividade das renováveis. Esse cenário também traz o gás do pré-sal para dentro da equação energética, com o atributo de mais independência dos preços internacionais.

Valor: E os biocombustíveis?

Barroso: O aumento do preço do petróleo pode estimular a demanda de biocombustíveis, setor no qual Brasil possui autossuficiência, além de acelerar a discussão de outras formas de mobilidade sustentável. O Brasil também pode buscar sua menor dependência internacional em outros componentes importantes, como fertilizantes, e aumentar seu protagonismo em outras energias que venham a redesenhar o futuro, como o hidrogênio verde e, quem sabe, a captura e sequestro de carbono.

Valor: Há alguma outra fonte que pode se beneficiar, no mercado brasileiro, da crise geopolítica?

Barroso: O cenário atual nos lembra da importância das ações pelo lado da demanda e é uma oportunidade para organizar a agenda da eficiência energética nacional. Há espaço para muito ganho no comércio e na indústria. A redução do consumo, por meio da eficiência, é a energia mais barata e autossuficiente que o sistema pode conseguir, além de ser um ganho energético permanente. Isso se soma às ações de resposta pela demanda dinâmica a preços e tarifas [mecanismos para cobrar mais caro pela energia em momentos de pico de consumo]. Por outro lado, fica a reflexão que é fundamental transformar a forma como consumimos energia para as novas tecnologias emergentes. De nada adianta termos uma oferta de hidrogênio e eletricidade abundante se a maior parte da demanda não funcionar a hidrogênio e eletricidade.

Valor: Pode haver uma tendência também de maior busca pelo uso do petróleo, gás e carvão no Brasil?

Barroso: Por razões puramente econômicas, não acredito: todos estes energéticos ficarão bem mais caros nesta década.

Valor: Quais são os impactos imediatos que o senhor vê na política energética global, principalmente na europeia, como consequência da atual crise?

Barroso: De forma mais imediata haverá uma busca pela redução da dependência do gás russo, que abastece 40% do consumo de gás europeu, e por garantir níveis de estocagem suficientes para assegurar o consumo no próximo inverno. A Rússia é responsável por mais de 60% da energia total importada pela União Europeia.

Valor: Como a Europa poderá substituir o gás russo?

Barroso: Pelo lado da oferta, abandonar o gás russo significa importar gás não russo, basicamente do norte da África, Noruega e Estados Unidos, aumentar a produção de carvão e contar com as usinas nucleares. Também será importante reduzir o consumo de energia. Isso pode ser feito por ações de eficiência energética, como redução da temperatura de aquecedores, majoritariamente movidos a gás na Europa.

Valor: O que muda no planejamento energético europeu?

Barroso: A política energética europeia foi construída baseada na integração energética, de eletricidade e gás. Países importam e exportam energia aos vizinhos todo o tempo, assim como de outros países fora da União Europeia. O bloco importa cerca de 60% da energia que consome. A médio e longo prazo vejo duas grandes mudanças: os países buscarão mais autossuficiência e resiliência de seus sistemas energéticos. Isso significa depender menos de importações e ter um mix de produção mais diversificado, incluindo novos energéticos, como o hidrogênio, e repensando o descomissionamento das nucleares, além do aumento da penetração das renováveis. Ações pelo lado da demanda também serão fundamentais, com aumento da eletrificação e da eficiência energética, sempre que possível com flexibilidade de suprimento. Mas não há uma receita de bolo específica a ser seguida, pois estamos em uma situação muito peculiar, de guerra unilateralmente declarada por um país. Esta situação não pode ser generalizada como “status quo” para todos os intercâmbios energéticos. Há países em que isso tem funcionado bem.

Valor: De que modo o conflito impactará a transição energética?

Barroso: A transição energética europeia já era uma das mais ambiciosas antes da guerra e pode se acelerar. O imperativo geopolítico está alinhado e o ambiente atual pressiona ainda mais a redução da dependência dos combustíveis fósseis. Isso pode acelerar o desenvolvimento das tecnologias que precisaremos em um futuro neutro em carbono. Investimentos massivos permitiram criar economias de escala que, junto com os aumentos nos preços de petróleo e gás, reduzem o custo adicional de escolher uma tecnologia limpa em vez de uma que emite uma maior quantidade de gases de efeito estufa, deixando as renováveis mais acessíveis para outras partes do mundo, como o Brasil. Mas não dá para dizer que será uma tendência global, pois cada país tem sua realidade e sua transição energética.

Valor: Pode ser necessário rever as metas de redução de emissões?

Barroso: Não acredito em ampliação de metas de redução de emissões imediatamente, mas o possível aumento das emissões a curto prazo pode, de fato, impactar o orçamento de carbono do planeta. Isso pode desafiar, mais à frente, a suficiência das metas, o que pode disparar uma discussão global sobre quem deveria aumentar a meta e quando.

Valor: Um eventual aumento dos gastos militares no mundo como consequência dessa crise poderia levar a uma redução dos recursos e esforços colaborativos entre os países para a transição energética?

Barroso: Ainda é cedo para falar sobre isso. Em termos absolutos, a Organização do Tratado do Atlântico Norte [Otan] sempre planejou gastos militares que não foram sempre cumpridos, de montantes atualmente inferiores aos orçamentos anuais dos programas de estímulo de governo e investimento privado direto às novas tecnologias para transição energética. Portanto, em tese, não acredito em redução de recursos. No entanto, e especulando um pouco, podemos ter sanções ocidentais que proíbam o acesso de alguns países, como a Rússia, a algumas tecnologias-chave. O acesso a tecnologias da transição energética é uma ferramenta geopolítica.

Link Externo: target="_blank" href="http://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/03/07/energia-renovavel-fica-mais-atrativa-no-atual-cenario.ghtml"

Autor: Gabriela Ruddy e Rafael Rosas

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