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Projeto para gás retoma proposta do ‘Brasduto’ já rejeitada pelo Congresso

28.03.2023

Na primeira reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deste governo, na última sexta-feira, o Ministério das Minas e Energia anunciou um plano para a “reindustrialização do país” com gás natural que recupera, em grande parte, iniciativas barradas pelo Congresso na legislatura passada.

O anúncio do plano ganhou relevância pela presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na reunião do CNPE. O chefe do Executivo não costuma comparecer às reuniões desse conselho. Nessa reunião, da qual também participaram o vice-presidente Geraldo Alckmin (também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, foi anunciado um grupo de trabalho para propor a minuta de uma medida provisória para o setor de gás.

Esse grupo de trabalho, segundo comunicado do MME, estudará a permuta (“swap”) do óleo da União por gás natural. A proposta é que esta operação seja feita pela PPSA, estatal criada para comercializar o óleo obtido pela Petrobras nos contratos firmados em regime de partilha. Sobre a PPSA recairiam os custos de “construção, operação e manutenção das estruturas de escoamento de processamento do gás”. Fontes do setor estimam que a conta possa variar entre R$ 80 bilhões e R$ 120 bilhões.

 

A PPSA já tinha aparecido como fonte de financiamento dos gasodutos no projeto de lei 414 apresentado à Câmara dos Deputados em 2021 e relatado pelo deputado e ex-ministro das Minas e Energia Fernando Coelho Filho (União-PE). Foi constituída uma comissão especial para analisar a matéria mas a proposta não chegou a ser aprovada.

O financiamento da PPSA foi a saída prevista depois da rejeição, durante a tramitação da MP da Eletrobras, de uma emenda que previa a oneração das contas de luz para a construção dos gasodutos. Os parlamentares avaliaram que os consumidores já haviam sido excessivamente onerados pela contratação obrigatória 8 mil megawatts de térmicas em localidades onde não existe suprimento de gás natural.

A aprovação de um jabuti e a rejeição do outro deixaram o setor capenga. Tem contrato para produzir energia térmica, mas falta gás em muitas das usinas. Daí a pressão por gasodutos cuja construção as empresas querem delegar para o consumidor ou para o Estado. Face à resistência do Congresso e do TCU em relação a novas onerações do consumidor, o MME resolveu bater à porta da PPSA.

O MME redobra a aposta em benefícios para o setor sem que tenha zerado suas contas com os penduricalhos passados. Em 16 de dezembro de 2022, o Tribunal de Contas da União determinou ao MME que reavaliasse o leilão emergencial de energia de 17 usinas, sendo 14 delas térmicas. Além da contratação fixa de energia determinada pela MP da Eletrobras, num contrato de longo prazo, o ministério dobrou a aposta com um leilão feito num momento de alarme com uma crise hídrica que não se confirmou. Das 17 usinas, 10 estavam inadimplentes no fim de 2022.

Em seu acórdão, o ministro Benjamin Zymler cogitou da “potencial ilegalidade decorrente da inércia governamental em tomar providências contratuais cabíveis em face a tal impacto tarifário, ausente a extrema necessidade de adquirir a energia na quantidade, no tempo e no custo contratados”.

 

A energia foi contratada por um preço sete vezes maior que o dos leilões tradicionais, e os contratos totalizaram R$ 39 bilhões a serem debitados do consumidor de energia. Esses contratos, que se revelaram desnecessários, custam mensalmente R$ 500 milhões aos consumidores de energia do país. O TCU deu 30 dias para que o ministério reavaliasse o leilão.

Ao final deste prazo, o MME limitou-se a informar as empresas que estavam adimplentes e as que não estavam e alegou que as últimas haviam recorrido à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para não serem responsabilizadas pelo atraso - em decorrência de problemas ambientais ou regulatórios.

Relator da MP da Eletrobras, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), diz estar confiante no resultado do grupo de trabalho do MME. Credita-se ao deputado a costura de apoios que viabilizou as emendas de interesse do setor de gás, capitaneado pelo empresário Carlos Suarez, o “S” da OAS, hoje à frente da CS Participações. O empresário foi procurado e não quis se pronunciar.

As relações políticas do empresário extrapolam o Centrão. A contratação obrigatória do gás das térmicas teve apoio das bancadas do PT no Congresso. Um ex-diretor da OAS foi chefe da Casa Civil no governo do atual ministro da Casa Civil, Rui Costa, na Bahia. Pediu exoneração depois de compra frustrada de 300 respiradores para o Consórcio Nordeste durante a pandemia. O caso hoje tramita no Superior Tribunal de Justiça. O ministro da Casa Civil não quis se pronunciar.

Com jabutis tão vitaminados, o reajuste na conta de energia dos consumidores ultrapassou a inflação em quase 40 pontos percentuais nos últimos dez anos. Por isso, para viabilizar os gasodutos apelou-se à PPSA.

A alternativa não poupa o consumidor. Alarga a conta para todos os brasileiros. O Tesouro perderá porque é destinatário das receitas de comercialização da PPSA. Como o óleo será “trocado” por gás e a venda deste combustível alavancará a infraestrutura de seu escoamento, a receita pode ser anulada.

 

A Petrobras será afetada porque é a principal fornecedora do gás que, no anúncio feito pelo MME, será usado no programa - não se sabe a que preço nem em que quantidade. Há históricos contenciosos na indústria não apenas sobre o preço e sobre o volume de gás a ser devolvido aos poços para aumentar sua produtividade. No anúncio do programa, o ministro acusou a Petrobras de tratar com “desdém” a política de gás.

Permanecem indefinidos os novos nomes a serem indicados para a PPSA. A atual diretoria foi nomeada em novembro de 2016, reconduzida em 2021 e com mandato para vencer no fim de março. Já está claro, porém, a aposta no reforço do MME sobre o conselho da Petrobras com a indicação de dois de seus secretários, Efrain Cruz e Pietro Mendes.

Cruz é o secretário-executivo do MME, e Mendes, de Petróleo e Gás. Este último foi rejeitado pelo Comitê de Pessoas do conselho da Petrobras, que atestou conflito interesse na coabitação de seu assento no conselho e na secretária-executiva do órgão que opera e regula a política energética da União, acionista majoritária. Cruz ruma para ter o mesmo destino.

Antes de chegar ao MME, Efrain Cruz foi diretor da Centrais Elétricas de Rondônia, Estado em que está localizada uma das térmicas do grupo de Carlos Suarez. Indicado para a Aneel pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), ficou quatro anos no cargo, período durante o qual foi relator de processos que beneficiaram concessionárias de energia em detrimento da União e do consumidor.

No mais polêmico deles, opinou, como relator, pelo perdão a uma multa milionária sobre a Âmbar, empresa de energia do grupo J&F. A decisão, referendada pela diretoria, acabaria sendo revertida pela diretoria-geral da agência e contestada pelo TCU.

O grupo J&F não comenta o recurso, mas antecipa o desinteresse num eventual leilão a ser promovido pela PPSA para viabilizar o plano de gás anunciado pelo MME, uma vez que suas usinas, em Cuiabá (MT) e Uruguaiana (RS) se abastecem, respectivamente, do gás da Bolívia e da Argentina, e não daquele proveniente do pré-sal brasileiro.

 

No mercado de energia, apontam-se dois principais interessados no leilão, a CS Participações, de Carlos Suarez, e a Compass, de Rubens Ometto. Além da Comgás, da Sul Gás e da Gas Brasiliana, a Compass adquiriu a Gaspetro, empresa de distribuição de gás da Petrobras, tornando-se a maior empresa do setor no país. A Compass não comenta as expectativas geradas pelos planos do MME.

Um eventual veto do comitê de pessoas do conselho da Petrobras a Cruz, seguindo o que aconteceu com Pietro Mendes, não impedirá sua aprovação pela assembleia de acionistas como não o fez com Jonathas Assunção, ex-secretário-executivo da Casa Civil, e Soriano Alencar, procurador-geral da Fazenda Nacional, indicados durante o governo Jair Bolsonaro.

A entrada de Mendes e Cruz no conselho aumentará o poder de fogo do MME para aprovar planos que encontram resistência na empresa. A Petrobras não comenta. Por meio de sua assessoria de imprensa, o ministro Alexandre Silveira limitou a informar que “tem pautado sua atuação para garantir a preservação da governança da Petrobras a fim de que ela possa desempenhar seu papel constitucionalmente definido”.

O entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é de que a observância do conflito de interesse vai de encontro ao princípio da presunção de inocência e na boa-fé de que os indicados tomarão medidas em defesa da companhia.

A permissividade dos órgãos regulatórios e a suscetibilidade de agentes públicos às pressões do setor tingem de pessimismo as expectativas do mercado em relação aos planos do MME para o gás.

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Autor: Maria Cristina Fernandes - Valor Econômico

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