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Eólicas, segurança energética e linhas de transmissão

02.06.2016


Com um cenário macroeconômico complexo e notícias pessimistas dominando o noticiário há meses, mesmo ilhas de excelência de negócios que vêm atuando com gestão eficiente, ética e com bons resultados encontram-se ameaçadas pela forte recessão do país e pela consequente retração nos mercados de consumo. A energia eólica é um destes setores e poderá sofrer considerável impacto no caso de uma eventual falta de contratação no leilão de reserva programado para o segundo semestre de 2016. Os motivos que levam a essa conclusão são essencialmente técnicos e merecem uma apreciação detalhada. Em leilão recente, a sobrecontratação das concessionárias de distribuição resultou numa contratação baixa no leilão A-5, a menor desde 2009. Numa visão superficial, pode-se achar que há sobra de energia e, por isso, a contratação foi baixa. Não apenas a visão de não contratar foi equivocada, como revelou falta de visão de médio e longo prazo e desconhecimento dos conceitos de planejamento considerando-se a segurança energética. Em primeiro lugar, é necessário entender que o que existe é uma sobra contratual, não uma sobra de garantia física. Trocando em miúdos: temos uma sobra na teoria e no papel, mas na prática e do ponto de vista operativo, ela foi superestimada e, além disso, rapidamente desapareceria num cenário hidrológico ruim e/ou de mínima retomada econômica. Com R$ 16,5 bilhões em investimentos no ano passado, Brasil é o 10º lugar no ranking mundial de energia éolica Em segundo lugar, é imprescindível considerar o tempo necessário para se mobilizar energia. Um leilão de energia não serve para resolver a demanda de amanhã ou da próxima semana, mas para planejar de forma eficiente o que vamos consumir no futuro, daqui a pelo menos cinco anos. Esse é o conceito de segurança energética. E o Brasil precisa começar a praticá-lo. Não ter considerado esta questão de forma rigorosa no passado já nos levou a graves crises de abastecimento, sendo que a última resultou num gasto exorbitante pelo acionamento das térmicas. Fazer planejamento considerando o conceito de segurança energética é ainda mais importante neste momento de intensa agenda governamental para promover a retomada do crescimento, com sinalização de novos investimentos em infraestrutura, por exemplo. Neste sentido, o leilão de reserva para contratação de energia eólica torna-se indispensável para assegurarmos uma contratação que será profundamente necessária na inevitável e tão esperada retomada do crescimento brasileiro, ainda que ela aconteça numa velocidade reduzida. Além do mais, é fundamental que se analise a condição de suprimento do mercado como um todo, considerando inclusive as dimensões risco e custo total de operação. A geração eólica vem, nos últimos anos, se mostrando fundamental para o sistema nacional. O movimento do governo de desonerar parte da cadeia produtiva do setor foi uma política de incentivo fiscal bem-sucedida e que gerou benefícios claros e mensuráveis para o país. Durante a crise energética, por exemplo, chegamos a ter 10% da energia vindo das eólicas, colaborando para reduzir os grandes gastos do acionamento das térmicas. Graças às eólicas, o governo economizou mais de R$ 6 bilhões em energia térmica que não precisou ser usada. No último ano, o Brasil foi o quarto país que mais cresceu em energia eólica no mundo, de acordo com o Relatório Anual do Global Wind Energy Council. O investimento foi de R$ 16,5 bilhões em 2015 e o Brasil já tem 9,51 GW de capacidade instalada. Somos o décimo lugar no ranking mundial e estamos já muito próximos de ocupar o nono lugar. A situação ainda favorável da indústria eólica pode ser explicada pelos excelentes ventos brasileiros e também pelo forte investimento das empresas que, nos últimos cinco anos, construíram uma cadeia produtiva nacional para sustentar os compromissos assumidos e o enorme potencial de crescimento desta fonte de energia, que acreditamos ser o futuro. A contratação de energia eólica no Leilão de Reservas e a devida atenção aos conceitos de segurança energética também se mostram fundamentais para dar um sinal de investimento para toda a cadeia de energia eólica, formada recentemente e num investimento que já passa dos R$ 48 bilhões nos últimos seis anos. Três dias após tomar posse, o novo Ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Filho, convocou representantes de associações do setor para sinalizar que o governo pretende fortalecer os laços com o setor privado, numa real e efetiva parceria pelo futuro do país. Considerando, portanto, esse positivo prognóstico de que haverá um diálogo aberto e transparente entre poder público e iniciativa privada, não resta dúvidas de que nós, empresas de energia eólica, estaremos completamente disponíveis para colaborar da melhor maneira possível por meio da difusão dos aprendizados do setor, sugestões para avanços e disposição para discussões técnicas e aprofundadas. Passamos por uma grave crise energética, que deixou uma conta salgada. Deixar de contratar energia nos próximos leilões de reserva vai representar que não aprendemos com os próprios erros e, para a indústria eólica, será como jogar ao vento os intensos e imensos esforços de ampla parcela do setor privado e do próprio governo e sociedade para desenvolver a cadeia produtiva eólica no Brasil. Além disso, será um preocupante retrocesso nos avanços que já fizemos rumo a uma matriz elétrica equilibrada, renovável, competitiva e eficiente. Nunca é demais lembrar que a diversificação da matriz também faz parte do conceito de segurança energética. A energia eólica, por exemplo, é muito útil em períodos de pouca chuva, justamente as épocas em que registramos os melhores fatores de capacidade dos parques eólicos. Com os ajustes necessários, diálogo lúcido e técnico e um planejamento eficiente, podemos ser uma importante potência eólica, numa prova inequívoca de que o Brasil não apenas tem os melhores ventos do mundo, mas também tem inteligência e planejamento para aproveitá-los. Elbia Silvia Gannoum é presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica).

Autor: Valor Econômico

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