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Combustível animal

03.11.2016


Engana-se quem acha que biodiesel no Brasil ainda é sinônimo exclusivo de óleo de soja. Na verdade, outra matéria-prima tem ganho bastante espaço no país, não só nos gráficos de produção de biodiesel, mas também no planejamento de pequenos e médios produtores, para os quais esse mercado se tornou uma importante fonte de renda complementar. Trata-se da gordura animal, um subproduto da indústria pecuária que, em 2015, foi responsável por 18,5% de todo o biodiesel produzido no país. Mas se 728 milhões de litros ainda parecem pouco, os números também mostram a mesma tendência do outro lado da cadeia o lado que produz a matéria-prima. As atividades de pecuária destinaram mais de 750 mil t de subprodutos de origem animal às usinas brasileiras de biodiesel em 2014, de acordo com dados da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (ABRA). Isso significa que, pela primeira vez, o setor de biocombustíveis foi o maior consumidor de gordura animal. Em apenas quatro anos, o mercado de biodiesel subiu da terceira para a primeira posição nesse ranking, chegando, em 2014, a demandar 14% do total de gordura animal produzido. Levando-se em consideração que quase 60% de toda a gordura é reutilizada na pecuária, o índice é bem alto, ainda mais quando se observa que o setor de higiene e limpeza que até 2013 era o maior consumidor do subproduto perdeu para o biodiesel e abocanhou apenas 11,3% do total produzido. A transição dessa tendência foi detalhada por Paulo Fuga, da empresa Fuga Couros, que exporta couros e peles para a América do Norte, Ásia e Europa: “O processo de transformação do sebo bovino [tipo mais comum de gordura animal] em biodiesel é vantajoso para o pecuarista porque agrega valor ao seu produto. Quando não havia usina de biodiesel, para quem a gordura animal era vendida? Para o setor de higiene e limpeza. Mas o setor de biodiesel paga muito melhor, o que traz benefícios à cadeia de produção como um todo”. Mais rentabilidade A valorização do subproduto foi clara, e acompanhou o desenvolvimento da cadeia de biocombustíveis. De acordo com Fuga, que também representa a área de Óleos e Gorduras Residuais da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), o sebo bovino era vendido, em média, a R$ 0,20/kg cerca de oito anos atrás, quando foi criado o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB). Hoje, o produto vale algo em torno de R$ 2,15/kg no mercado. Para Julio Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), “o pecuarista é beneficiado porque o desenvolvimento tecnológico de toda a cadeia agrega valor aos produtos finais, além de gerar uma nova fonte de renda. [...] A transformação de um subproduto em matéria-prima traz vantagens tanto para a cadeia da carne quanto para a indústria do biodiesel, que agora conta com mais um insumo disponível”. O pecuarista que vende o subproduto do abate de animais para as usinas de biodiesel lucra com um material que antes era desperdiçado, complementando a renda e também tornando o processo de produção mais sustentável o que é considerado, por muitos, quase uma obrigação, uma vez que as atividades ligadas à agropecuária trazem fortes impactos ambientais. No entanto, há outra possibilidade que, quando utilizada em escalas maiores, pode ser ainda mais atrativa para o produtor, como é o caso da produção própria de biodiesel. Essa estratégia foi adotada pela Fuga Couros na unidade produtora instalada na cidade de Camargo, no Rio Grande do Sul. A planta Biofuga produz, em média, 300 mil litros de biodiesel por dia, ou 108 milhões de litros por ano. “A vantagem para a usina é que comercialmente o biodiesel proveniente da gordura animal é mais barato do que aquele produzido com óleo de soja. O custo de produção é menor”, segundo o executivo. E o benefício está totalmente ligado à matéria-prima, já que a mesma usina pode produzir o biocombustível seja com sebo bovino, seja com óleo de soja. Desafios pela frente Se por um lado o preço torna a gordura animal mais vantajosa, por outro, a oferta diminui um pouco sua atratividade. Um dos principais desafios para manter essa cadeia a pleno vapor é a disponibilidade do material, que depende diretamente da quantidade de abates realizada. O óleo de soja, por sua vez, não apresenta esse problema, já que o Brasil responde pela segunda maior produção de soja do planeta. Quando a demanda por carnes aumenta, sobe também o volume de gordura animal disponível para outros setores, e, no mesmo sentido, a disponibilidade cai se o consumo for menor. A Biofuga utiliza, em média, 50% de gordura animal e 50% de óleo de soja para produzir biodiesel, mas “a produção varia conforme a época do ano, devido às mudanças de temperatura. No inverno, por exemplo, temos de diminuir a proporção de gordura animal, porque ela precisa ser destinada a outros fins”, explicou Paulo Fuga. Potência no Sudeste Uma região que tem chamado a atenção no uso de gordura animal é o Sudeste. De acordo com os dados mais recentes da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), quase 52% de todo o biodiesel produzido na região em julho de 2016 foi proveniente de gordura animal, enquanto a participação do óleo de soja representou 31%. O volume é ainda mais expressivo quando comparado ao mesmo período do ano passado, quando a proporção era inversa, e muito favorável à soja. Em julho de 2015, a gordura animal foi utilizada para produzir apenas 24% do biodiesel total, já o óleo de soja era preponderante, com quase 73%. E o que impulsionou essa mudança? Para Minelli, o crescimento da participação do biodiesel na matriz tem duas causas principais: a disponibilidade de matéria-prima e o baixo custo de produção. A disponibilidade, mais uma vez, tem relação com a quantidade de abates, e como o Sudeste é o grande centro consumidor do país, as grandes fazendas têm interesse em manter a produtividade alta. É também a proximidade entre oferta e demanda que faz com que os custos sejam menores, já que a parte logística fica simplificada. É verdade também que a JBS, uma das maiores empresas alimentícias do mundo, tem em Lins, interior de São Paulo, uma unidade com capacidade para produzir 560 mil litros de biodiesel por dia. Atualmente, a empresa é a maior produtora de biodiesel à base de sebo bovino do Brasil. Em 2015, suas duas unidades produtoras, de São Paulo e de Mato Grosso, produziram 170 milhões de litros do biocombustível. Ainda assim, outros produtores têm se destacado, não só no Sudeste, mas em todo o país e a competição pela matéria-prima tem crescido, segundo Fuga. “O setor de biodiesel hoje disputa muito a obtenção da gordura animal. Os pecuaristas têm visto com bons olhos o reaproveitamento desse subproduto na produção [do biocombustível], e essa tendência de alta deve seguir por bastante tempo”, garantiu.

Autor: Brasil Energia

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