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Modelo de contratação de energia elétrica é posto em xeque.

23.09.2022


Com três leilões de energia cancelados neste ano e com baixas compras de energia nos últimos anos, o modelo de contratação definido na última reforma do marco legal do setor elétrico, em 2004, demonstra que está chegando no fim da vida útil. Um dos leilões, o principal deles, aconteceria ontem (16), para compra de energia de usinas que entrariam em operação em 2028.

Os leilões de energia, estabelecidos a partir de 2004, tinham como premissa o planejamento da expansão da oferta a partir das previsões de carga das distribuidoras, que compreendiam cerca de 75% do consumo de energia do país. Leilões para o mercado regulado (como é chamado o mercado cuja gestão da energia é de responsabilidade das distribuidoras, sem ingerência dos consumidores) são realizados anualmente, identificados pelo prazo para que as usinas entrassem em operação: A-3, por exemplo, significa que um certame realizado neste ano obriga que as usinas vencedoras iniciem operação comercial em 2025. Assim vale para um A-4 (quatro anos à frente), um A-5 (cinco anos) e um A-6 (seis anos).

Os leilões ocorrem em pool, ou seja, as distribuidoras representam a demanda, que só é conhecida pelo governo, e as geradoras fazem ofertas de preço, a partir de um valor teto que é divulgado previamente. Os deságios decorrem da disputa entre as usinas. A expansão da oferta de energia se concretiza porque as novas usinas vencedoras dos certames firmam contratos de comercialização de energia, com prazos entre 15 e 30 anos (dependendo da fonte) e com base na garantia física – energia que tem o fornecimento assegurado, independente de aspectos técnicos ou sazonais. Com os contratos na mão, os empreendedores recorrem ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para buscar financiamento aos respectivos projetos.

 

Só que nos últimos anos, se tornou mais intensa a migração de agentes para o mercado livre — no qual o consumidor pode escolher o fornecedor da energia —, à medida que as contas de luz passaram a crescer significativamente. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) indicam que o mercado livre atingiu a marca dos 10.585 consumidores em agosto. Para efeitos de comparação, em 2016, segundo a CCEE, 4.062 consumidores estavam no mercado livre.

E a perspectiva é de que ocorra em breve uma nova onda de migrações. A CCEE estima que atualmente existem 69 mil unidades consumidoras elegíveis – que reúnem todas as condições para a migração para o mercado livre. O limite mínimo de carga é de 0,5 megawatt (MW) e o Ministério de Minas e Energia (MME) estuda liberar a migração dos consumidores que estejam abaixo desse piso – desde que conectados em alta tensão – redes com pelo menos 2,3 quilovolts (kV).

Além do mercado livre, outra parte dos consumidores recorreu a sistemas de micro e minigeração distribuída. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), até quinta-feira 1,249 milhão de centrais de geração distribuída estavam instalados no país, correspondentes a uma potência total de 13,27 GW – a grande maioria da fonte solar fotovoltaica, seja instalada em telhados, seja como miniusinas com potência de até 5 MW.

O resultado da movimentação dos consumidores rumo à geração distribuída ou ao mercado livre é a sobrecontratação das distribuidoras. De acordo com a CCEE, as distribuidoras possuem contratos de energia que equivalem a 107,7% do seu mercado. Atualmente, a legislação do setor obriga que as distribuidoras contratem energia para atender a 100% da demanda dos consumidores. Ficar abaixo de 100% resulta em penalidades e risco de pagar pela energia faltante pelo Preço de Liquidação das Diferenças, que é a referência chamada de mercado “spot”, ou as obriga a comprar energia para fechar a conta. As distribuidoras também podem contratar até 5% a mais da carga de suas respectivas áreas de concessão.

 

Caso isto aconteça, elas podem repassar o custo dessa energia extra para as contas de luz. Acima deste teto, o custo é arcado apenas pelas distribuidoras, exceto em caso de sobras involuntárias. Com o mercado livre e a geração distribuída, a sobrecontratação tem crescido na distribuição nos últimos anos.

Desde 2014, o ritmo de atividade econômica do país alterna altas modestas e retrações do Produto Interno Bruto (PIB), mas, a partir de 2020, a pandemia de coronavírus mudou hábitos cotidianos do país, com reflexos na economia e, consequentemente, no consumo de energia elétrica. Assim, os leilões regulares têm apresentado resultados tímidos na contratação de novas usinas.

Como destaca a CCEE recorrentemente em apresentações a agentes setoriais, sem aumento do consumo, não há motivos para contratar mais energia e isso pode impactar a capacidade instalada no país, o que se torna mais crítico em cenários de falta de chuvas, como se viu no ano passado, cujos efeitos ainda serão percebidos nas contas de luz por algum tempo.

Uma das saídas é a mudança do planejamento da expansão da oferta. A perspectiva de crescimento do consumo passaria a ser feita considerando os dois mercados (regulado e livre) e o governo passaria a contratar a potência das usinas. Ou seja, elas passariam a ser remuneradas pela capacidade de geração.

Assim, características como a disponibilidade ou a quantidade de energia, o tipo de fonte (renovável ou fóssil, por exemplo) e o status do empreendimento – se a usina é nova ou existente no sistema – deixariam de ser relevantes, num primeiro momento (a não ser em caso de expansão, o que, por motivos óbvios, vai exigir que os empreendedores disputem com novos projetos).

Embora pareça fácil, a mudança na modelagem das licitações é complexa diante de uma matriz energética mais diversificada e da diretriz pétrea de se obter o menor custo de expansão possível. Um dos leilões cancelados pelo governo é exatamente o de reserva de capacidade, ou o leilão de potência.

O MME alegou que está elaborando em conjunto com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) estudos para viabilizar uma licitação que permita a concorrência entre as fontes de energia e permita a contratação de soluções de armazenamento. Ou seja, ainda não há um modelo ideal para que seja feita a licitação nesta forma. A lógica deve ser a mesma, de menor custo de geração.

Esse tipo de leilão já foi realizado em dezembro do ano passado, quando ocorreu compra apenas de energia termelétrica. Em 30 de setembro, ocorrerá um segundo certame para a instalação dos primeiros 1.000 MW dos 8.000 MW de “jabutis” a gás natural previstos na lei 14.182/2021, da privatização da Eletrobras. Porém, esses leilões não envolveram concorrência entre fontes, a maior dificuldade até o momento.

No caso dos sistemas isolados, a justificativa para o cancelamento foi a mesma: os déficits de suprimento de energia levantados pela EPE não foram suficientes para que a licitação fosse necessária.

“Assim, nesses sistemas, o MME irá priorizar ações que promovam, a priori, a redução de perdas, possibilitando o atendimento, por compensação, do montante de energia proveniente dos pequenos déficits previstos”, disse o MME, em comunicado, nesta semana.

Com cada vez mais interligação de áreas isoladas, especialmente no Norte do país, e avanço na universalização do atendimento, soluções como a realização de leilões deixam de ser prioridade. As próprias distribuidoras vêm implantando projetos para atender localidades que não contam com energia elétrica ou cujo fornecimento é precário. Para este caso, já existem saídas.

Para o país, entretanto, o esgotamento do modelo de compra de energia requer uma mudança de rumo significativa para que dois pilares do tripé do que um dia foi chamado de Novo Modelo do Setor Elétrico, em 2004, sejam mantidos: a segurança energética e a modicidade tarifária. Parte das discussões está no Projeto de Lei 414/2022, que atualiza o marco regulatório em vigor e aguarda votação no Senado Federal.

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Autor: Fábio Couto

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