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Para voltar a crescer, Brasil precisa repensar sua política energética

02.04.2015


Era julho de 2001 quando o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso anunciava a construção de uma rede de usinas termelétricas como resposta à crise energética que afetava o país. Na época vivíamos um período de severa estiagem que ameaçava a capacidade do sistema gerador de energia, até então baseado quase que unicamente em centrais hidrelétricas. Em decorrência da crise, o governo foi forçado a reduzir em 20% o consumo energético em praticamente todo o país, o que afetou o desempenho da indústria e da economia nacional no decorrer daquele ano e do seguinte. Apesar do tempo decorrido, o cenário energético do país novamente é crítico. No caso atual, contudo, o suprimento vem sendo complementado com o acionamento das termelétricas, operando em plena capacidade desde o agravamento da estiagem e consequente redução do nível dos reservatórios das hidrelétricas. Apesar de estarem cumprindo com o seu papel de fonte auxiliar em momentos críticos, o acionamento das termelétricas encareceu o preço da energia para as distribuidoras e para o consumidor, fato que volta a pressionar a atividade industrial do país. Segundo a Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), ao longo do último ano o custo da energia elétrica subiu em média 23%, colocando o Brasil na sexta posição do ranking de 28 países com energia elétrica mais cara para a indústria. Ainda de acordo com o órgão, de 2013 para 2016 o custo da energia para a indústria deverá aumentar em 87,6%, o que em termos práticos significará menor produtividade e, consequentemente, menor competitividade da indústria nacional frente aos competidores externos. No modelo de geração distribuída (GD), a energia é gerada no próprio ponto de consumo ou perto dele Estimular a expansão da indústria interna depende de diferentes variáveis, porém um dos fatores essenciais para a resolução da equação está no investimento em novas fontes de geração que, ao menos sob o ponto de vista energético, assegure flexibilidade e estabilidade à produção industrial. Tendo em vista que os prognósticos mais recentes indicam que os reservatórios das hidrelétricas devem voltar a patamares normais somente em 2017, o investimento em novos modelos de geração se apresenta de modo imperativo. Em regiões altamente industrializadas e que naturalmente demandam mais energia, uma alternativa para garantir o suprimento energético seria a expansão dos projetos de geração distribuída (GD), modelo em que a energia é gerada no próprio ponto de consumo ou próxima a ele. Uma grande vantagem neste tipo de geração é a rapidez na partida das plantas, que podem atingir a capacidade plena de operação em alguns minutos, fato que ajuda a atender aos picos de demanda - principal causa do "apagão" ocorrido em 19 de janeiro. Outro ponto a favor das tecnologias de GD é a rapidez na instalação de sistemas inteiros, que pode variar de poucos dias a alguns meses dependendo da necessidade e do escopo do projeto contratado. No caso brasileiro, estimamos que seja possível adicionar 500 MW de forma imediata - em até dois meses a partir da contratação -, o que seria suficiente para abastecer 1,5 milhão de pessoas. Em uma segunda etapa, outros 1,2 GW poderiam ser acrescentados em até doze meses da contratação. Por fim, 2,5 GW poderiam ainda ser gerados em uma solução de médio a longo prazo (18 a 24 meses), com turbinas de maior porte funcionado em ciclo combinado. As tecnologias de GD poderiam assim gerar um adicional de 4,2 GW em apenas 24 meses, abastecendo mais de 12 milhões de pessoas, criando um alívio importante para o sistema. Sistemas similares estão em operação mundo afora, seja para garantir resiliência a sistemas elétricos centrais ou para atender picos pontuais ou necessidades emergenciais. Em Nova York, pequenas estações geradoras situadas em meio à região urbana da cidade são responsáveis por gerar 550 MW de energia, garantindo flexibilidade e robustez ao sistema central no caso de falhas ou paradas inesperadas. De forma análoga, no México uma frota móvel de turbinas a gás foi contratada para garantir o suprimento energético da região de Los Cabos após a passagem do furacão Odile, que deixou 30 mil pessoas às escuras em setembro de 2014. Neste caso, o sistema foi contratado de modo emergencial, fornecendo 120 MW de energia apenas duas semanas após a assinatura do contrato. Anna Carolina Negri / Valor Outra alternativa possível para balancear a matriz energética do país seria a adição de novos parques eólicos e de novas linhas de transmissão no Nordeste e Sul, regiões que se destacam pela alta incidência de ventos e que, consequentemente, tornam o investimento em novos complexos bastante atrativo e alinhado à necessidade de diversificação da atual matriz energética. Adicionalmente, a geração eólica é mais barata e, portanto, financeiramente mais competitiva, fator que pode impulsionar novos investimentos nesse modelo de geração. No caso da geração a partir da força dos ventos, um modelo possível de ser replicado no Brasil é o que conceitualmente chamamos de "Wind Firming". Nesse modelo, a geração eólica é complementada com a instalação de pequenas centrais termelétricas que funcionam como espécie de back-up ao sistema. Ou seja, no caso de haver variações na incidência dos ventos e, portanto, nas taxas de geração de energia, as termelétricas são acionadas a fim de garantir a estabilidade e segurança do sistema. O "Wind Firming" é utilizado com bastante sucesso no Texas, onde a força dos ventos sofre grandes variações em curtos períodos. Ao longo de um dia, uma única usina foi acionada treze vezes a fim de suprir a demanda momentaneamente não atendida pelo sistema eólico. Neste caso, além da demonstração clara de complemento entre diferentes modelos de geração, também é possível perceber a agilidade e flexibilidade do sistema em operação. De modo geral, focar na diversificação da matriz energética e estimular a criação de projetos complementares são algumas das medidas necessárias para amparar o setor industrial e para manter níveis de expansão adequados às necessidades e potencial do país. Esse será um dos principais desafios do governo em seu segundo mandato e, certamente, ponto fundamental para a retomada do crescimento econômico de modo sustentado e de longo prazo.

Autor: VALOR ECONOMICO

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